segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O Instituto de Coimbra e a Astrofísica em Portugal

O Institutorevista científica e literária contém muitos artigos que descrevem, em pormenor, a investigação realizada na secção de astrofísica do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra (UC), incluindo os principais resultados obtidos. Através de uma análise destes artigos, complementada com uma pesquisa noutras fontes, é possível traçar a história dos estudos pioneiros realizados do nosso país no âmbito da física solar, bem como aferir a influência do Instituto de Coimbra neste projecto.

Em 1925 foi criada no Observatório Astronómico da UC uma secção dedicada à astrofísica e, em particular, ao estudo dos fenómenos cromosféricos solares. Esta área de investigação tornou-se possível através da instalação de um espectroheliógrafo, instrumento que permite obter imagens monocromáticas da cromosfera solar. O novo aparelho, similar ao existente no Observatório de Meudon (Paris), permitiu trocar observações entre os dois observatórios. A pesquisa integrou uma campanha mundial de monitorização dos fenómenos solares.

Tal desenvolvimento da astrofísica em Portugal teve como mentor Francisco Miranda da Costa Lobo, professor de astronomia da Faculdade de Matemática da UC, director do Observatório de Coimbra e Presidente do Instituto de Coimbra (IC). Neste projecto, Costa Lobo contou com o apoio de Henri Deslandres, director do Observatório de Meudon, e do assistente deste Lucien D’Azambuja. O espectroheliógrafo, considerado um instrumento essencial para o estudo do Sol, decalcava o de Meudon, em funcionamento desde 1908 e um dos mais avançados a nível mundial. Através da cooperação com Paris, o equipamento de Coimbra foi sendo melhorado em paralelo com as inovações introduzidas no instrumento de Meudon, estando ainda hoje operacional. O sucesso desta iniciativa deveu-se à rede de contactos internacionais de Costa Lobo, em particular à sua participação em numerosos congressos como representante do IC, da UC e do governo português. Um protagonista importante deste projecto foi Gumersindo Sarmento de Costa Lobo, filho de Francisco Costa Lobo, que, após ter realizado um estágio em Meudon em 1923, foi o cientista mais importante na instalação do espectroheliógrafo, dinamizando a investigação subsequente. Os resultados obtidos em Coimbra entre 1929 e 1944 foram publicados nos Anais do Observatório Astronómico da UC – Fenómenos solares. Os espectroheliogramas foram também partilhados com Meudon, permitindo colmatar lacunas nas observações deste, e encaminhados para Zurique a fim de integrarem o Bulletin for character figures of solar phenomena, publicação da União Astronómica Internacional que, a partir de 1928, recolhia observações solares de vários observatórios mundiais. A cooperação então iniciada com Meudon permanece ainda hoje, passados mais de 80 anos.

A obtenção dos fundos necessários para a aquisição do espectroheliógrafo pode ter que ver com o facto de várias personalidades da elite política da época fazerem parte do IC, algumas das quais, como Bernardino Machado (que ocupou o cargo de primeiro ministro e de Presidente da República em duas ocasiões) e Afonso Costa (ministro e primeiro-ministro de diversos governos), terem desempenhado papéis relevantes nesta academia (Bernardino Machado foi presidente do IC e Afonso Costa foi secretário de IC e coordenou a comissão de redacção da revista O Instituto). O próprio Francisco Costa Lobo teve um passado interventivo na política, embora com menor visibilidade desde a revolução que implantou a república em Portugal em 1910.

O exame das observações efectuadas conduziu à tentativa de explicação do processo de formação das manchas e protuberâncias solares. Na introdução do 1.º volume dos Anais, Francisco Costa Lobo apontou a interligação existente entre as manchas solares e as regiões faculares, zonas brilhantes da superfície solar e com maior extensão que as manchas. Lobo concluiu que os dois fenómenos estavam associados uma vez que as manchas solares surgiam sempre no interior de zonas faculares, pelo que as fáculas seriam mais importantes pois perduravam após o desaparecimento das manchas.

Em 1949, já depois da morte de Francisco Costa Lobo em 1945, o IC organizou uma conferência, impulsionada por Gumersindo Lobo, que trouxe uma vez mais a Coimbra Lucien D’Azambuja, desta vez acompanhado pela sua esposa e assistente Marguerite D’Azambuja. As palestras de ambos, no salão nobre do edifício-sede do IC, incidiram nos fenómenos solares e no progresso das pesquisas efectuadas à atmosfera solar. Marguerite discorreu sobre as possíveis causas das manchas solares e fáculas, indicando as explicações existentes na altura, e Lucien apresentou o seu conceito de centro de actividade, que incorporava vários eventos solares.

Na intervenção dos Costa Lobo, pai e filho, teve influência decisiva a existência do IC, onde os dois tiveram papéis muito activos. Para além de facilitar o estabelecimento de contactos nacionais e internacionais, o IC permitiu, através da sua revista, divulgar a investigação realizada, nomeadamente junto das instituições estrangeiras que recebiam por permuta esta publicação. Terão sido, pai e filho, os primeiros astrofísicos portugueses.

A nossa investigação sobre este assunto originou uma comunicação no Scientiarum Historia II - Encontro Luso-Brasileiro de História das Ciências, realizado de 28 e 30 de Outubro de 2009 no Rio de Janeiro, fazendo parte do respectivo livro de anais. Um artigo mais aprofundado sobre este tema foi submetido a uma revista internacional de história da astronomia.

A. José Leonardo

O Instituto de Coimbra e as reformas do Ensino Secundário em Portugal

Uma parte da história da instrução pública em Portugal vem contada nas páginas da revista O Instituto, em particular nos primeiros dez volumes desta publicação. Uma portaria de Setembro de 1853 determinou a impressão deste jornal na Tipografia da Universidade, com as despesas por conta do Estado, atendendo à relevância que era reconhecida à difusão dos conhecimentos científicos e artísticos, desde que metade do espaço fosse reservado ao Conselho Superior de Instrução Pública (CSIP), um órgão de aconselhamento do governo sobre questões de educação sedeado na Universidade, às Faculdades e aos Hospitais da Universidade. Assim, a totalidade dos relatórios emitidos pelo CSIP foram publicados no Instituto, desde 1844, ano em que esta entidade foi criada numa reforma do governo de Costa Cabral, até 1859, ano da sua extinção por decisão do governo de Fontes Pereira de Melo, sendo substituído pelo Conselho Geral de Instrução Pública, que passaria a reunir em Lisboa sob a presidência do ministro do reino. Além dos referidos relatórios, foram numerosos os artigos sobre o ensino que foram surgindo ao logo da centena e meia de volumes da revista, em particular até 1926 quando findou a primeira república, contendo propostas, regulações e reacções da autoria de diversos académicos nacionais e também de alguns estrangeiros. No seu conjunto, oferecem-nos um corpo, ainda que não muito estruturado, que permite analisar as várias reformas do ensino em Portugal na perspectiva, que não é uniforme, dos sócios do IC.

A nossa investigação incidiu sobre o Ensino Secundário, tendo sido analisados muitos artigos de vários protagonistas nas reformas implementadas, como foram os casos de Jerónimo José de Melo, José Maria de Abreu, Bernardino Machado, Adolfo Coelho, Gonçalves Guimarães e Francisco Costa Lobo, entre outros. Foi dada ênfase ao caso das Ciências Físico-químicas e à sua implementação nos planos curriculares, programas e práticas pedagógicas.

Um dado relevante foi o número extenso de artigos que relataram o estado deste nível de ensino em muitos países europeus, o que se enquadrava na linha editorial do O Instituto. Foi possível também revelar o intercâmbio gerado com o país vizinho, cujo evento mais importante foi o Congresso Pedagógico Hispano-português-americano, realizado em Madrid em 1892. Portugal fez-se representar por uma delegação alargada, liderada por Bernardino Machado, que reuniu os maiores pedagogos portugueses da altura que ali apresentaram várias dezenas de memórias. Bernardino Machado descreveu também no artigo que publicou n’O Instituto o conteúdo de uma exposição pedagógica sobre o sistema educativo português, que decorreu paralelamente ao congresso e que incluiu 200 fotografias de estabelecimentos escolares e outras pastas com documentação diversa.

O interesse espanhol pelo sistema educativo português tornou-se mais evidente após a implantação da República em 1910. Em 1914, uma portuguesa que tinha participado no congresso atrás referido e então com funções docentes num estabelecimento de ensino espanhol onde se implementavam novas técnicas pedagógicas de ensino, foi comissionada pelo governo espanhol para efectuar um estudo sobre a instrução pública em Portugal. O seu nome era Alice Pestana, uma professora da Instituición Libré de Enseñanza (ILE) de Madrid, instituição em relação à qual Bernardino Machado dedicou um artigo que intitulou “Educação Nova em Espanha”. Pestana publicou os seus resultados em 1915, num livro escrito em castelhano com o título “La Education en Portugal” onde fez uma análise extensa de todos os níveis de instrução. O interesse despertado levou que, cerca de três anos depois, um outro professor espanhol com uma bolsa atribuída pela Junta para Ampliación de Estúdios e Investigaciones Científicas (JAE), pertencente à estrutura da ILE, se deslocasse ao nosso país com o intuito de estudar o ensino secundário.

Entre 10 de Maio e 29 de Julho de 1918, Rubén Landa visitou os mais importantes liceus nacionais, assistiu a aulas, conversou com alunos, professores, reitores e governantes, realizou uma conferência sobre o tema na Universidade de Coimbra e, após regressar a Espanha, elaborou uma memória onde descreveu o ensino secundário em Portugal, desde o primeiro decreto de Passos Manuel em 1836, até às reformas de 1921, relatando com maior enfoque o seu estado em 1918 sob a perspectiva imparcial de um investigador estrangeiro. Este artigo, na sua versão mais extensa, foi publicado em várias partes n’O Instituto, a partir do volume 74.º, e também na forma de separata. Nele podemos encontrar uma visão bastante meritória do funcionamento dos liceus lisboetas, nomeadamente os Liceus Pedro Nunes, Passos Manuel e Camões, mas também um parecer bastante favorável em relação ao sistema então em vigor, cuja grande parte tinha sido implementada na reforma de 1905 (ver http://dererummundi.blogspot.com/2009/07/ruben-landa-e-o-ensino-secundario-em.html).

A partir de 1928 reduz-se significativamente o número de artigos dedicados à instrução pública n’ O Instituto. Apesar de não serem apresentadas quaisquer indicações sobre censura prévia, a grande maioria das pessoas que ocupavam lugares no corpos directivos do IC estavam conotadas com o novo regime, pelo que haveria algum cuidado em publicar artigos que pudessem conter críticas às novas reformas no âmbito da educação. Assim se pode explicar que as profundas reformas realizadas a partir de 1926 não tenham encontrado qualquer menção nas páginas d’O Instituto. Por este motivo, a nossa análise termina com o início da década de 1920, não sendo referenciadas as reformas realizadas a partir de 1926, após a revolução que abriu portas ao Estado Novo.

A pesquisa efectuada teve como resultado dois artigos que relatam a história das reformas no ensino secundário nas páginas d’O Instituto. O primeiro incide no período monárquico parlamentar de 1836 a 1910 e será publicado na Revista Portuguesa de Pedagogia (Leonardo, A. J. F.; Martins, D. R.; Fiolhais, C. (2009). O Instituto de Coimbra e o Ensino Secundário em Portugal de 1836 a 1910. O caso das Ciências Físico-Químicas. Revista Portuguesa de Pedagogia, 43-2, 2009, 239-260). O segundo aborda o período da 1.ª República, de 1910 a 1926, estando prevista a sua publicação no próximo ano, quando se celebra o centenário da implantação da República em Portugal.

A. José Leonardo