domingo, 13 de novembro de 2011

O Instituto e a Sismologia em Coimbra

A existência do IC e, em particular, do respectivo periódico que reportava a actividade científica e académica na então única universidade portuguesa, terá encorajado os seus sócios a envolverem-se em novas áreas científicas. António dos Santos Viegas (1835-1814), professor catedrático de Física e sucessor de Jacinto de Sousa na direcção do Observatório Meteorológico e Magnético (OMM) da UC, que acumulou, entre 1885-86, com a presidência de IC e, entre 1890-92 e 1906-7, com a Reitoria da UC, foi um dos pioneiros da sismologia portuguesa. Em 1891, ajudou na aquisição de um primeiro sismógrafo para o OMM (um aparelho Angot B, No. 5388, construído na casa Breguet), que se manteve em funcionamento até 1914/15.



Tendo sido o OMM da UC o precursor nacional dos estudos sismográficos, Santos Viegas cuidou de não descurar a área, procurando aperfeiçoar os serviços prestados. O sismógrafo de Angot terá funcionado com alguma regularidade, o que se comprova pela aquisição de papel fotográfico para o sismógrafo e uma anotação com data de 24 de Abril de 1901 que regista um tremor de terra em Lisboa e Algarve, apesar de os resultados não terem vindo a lume em qualquer publicação. Verificou-se, na transição de século, que a sensibilidade e a velocidade de registo deste aparelho não eram suficientes para sustentar uma secção de sismologia, pelo que, em 1900, Santos Viegas promoveu a aquisição de um sismógrafo Milne, de pêndulo horizontal, ao Observatório inglês de Kew, instrumento que chegou a Portugal no ano seguinte. Embora as obras de construção de um pavilhão tenham sido logo iniciadas, a instalação do novo aparelho, que registava movimentos sísmicos da direcção este-oeste (E-W), apenas foi concluída em 1904.
Como aconteceu com outras instalações científicas nacionais dessa época, as limitações derivadas da falta de pessoal técnico para tabular com regularidade os registos impediu, nos anos seguintes, a publicação dos resultados. Apenas em 1908 se conseguiu obter os serviços de um recém-graduado na Faculdade de Filosofia da UC, Egas Fernandes Cardoso e Castro (1885-?). Este bacharel foi admitido como praticante extraordinário sendo, no ano seguinte, encarregado da nova secção de sismologia. Embora não sendo remunerado, o trabalho de Egas de Castro permitiu a publicação das observações sísmicas de 1909. Estas vieram juntar-se às observações meteorológicas e magnéticas que já tinham sido compiladas ao longo das quatro décadas anteriores, suscitando a alteração do nome da publicação anual do OMM (Observações Meteorológicas, Magnéticas e Sísmicas…, 1910). Com a criação da secção de sismologia, ficou completa a investigação na área das ciências geofísicas em Coimbra. A participação de Egas de Castro foi devidamente destacada por Santos Viegas.
Por coincidência, foi também em 1909 que ocorreu o sismo mais forte sentido na Península Ibérica no século XX. Este abalo veio relançar o debate sobre a necessidade de criar um serviço nacional de sismologia. O tremor de terra teve o seu epicentro próximo da vila de Benavente, mas os seus efeitos devastadores fizeram-se sentir numa vasta região, na margem sul do Tejo, cerca de 40 km a montante de Lisboa. Registaram-se 47 mortos e os danos patrimoniais foram consideráveis: cerca de 40% dos edifícios de Benavente ruíram, tendo de ser demolidos e só 20% sofreram danos menores. O sismógrafo de Coimbra foi o único em território português a registar este evento.


Egas de Castro assumiu o estudo deste tremor de terra com vista a calcular a profundidade do hipocentro. Este trabalho foi publicado num artigo n’O Instituto, em Novembro de 1909, com o título de Geodynamica tellurica. Não tendo garantido o apoio da Comissão de Estudos Sísmicos, recentemente criada, Egas de Castro recorreu à imprensa para compilar uma relação de 125 localidades (na sua maioria nacionais, mas incluindo algumas espanholas), com as respectivas distâncias a Benavente, distribuídas por graus de força entre IX e IV. Após calcular as respectivas distâncias médias, para cada grau de força (isossista), Egas de Castro obteve como resultados uma profundidade focal de 7,5 km, um coeficiente de absorção de 0,0041 e a intensidade de 9,83º em Benavente, segundo a escala de Cancani. Estudos mais recentes sobre o abalo de 1909 estabeleceram o seu valor de profundidade focal nos 10 km e um máximo de intensidade de IX, na escala modificada de Mercalli.
No ano de 1910, Santos Viegas estabeleceu contactos com Wiechert para adquirir o sismógrafo horizontal, com uma massa inercial de uma tonelada. Devido à turbulência originada pela revolução republicana, verificou-se um atraso na entrega do instrumento, que só teve lugar a 19 de Julho de 1911. Iniciou-se de imediato a construção de um pavilhão para o alojar. Todavia, dificuldades técnicas com a instalação do aparelho, que se prolongariam nos anos seguintes, retardaram a sua montagem, vindo Santos Viegas a falecer, em 1914, em idade avançada, sem ver o sismógrafo em funcionamento. Seria o seu sucessor como director do OMM, Anselmo Ferraz de Carvalho (1878–1955), a concluir, no final de 1914, a instalação do referido sismógrafo
O sismo de Benavente suscitou vários outros trabalhos em Portugal e Espanha. Originou também uma primeira tentativa, que veio a fracassar, de organização de um serviço sismológico em Portugal. Gerou ainda um intercâmbio com geofísicos espanhóis, tendo alguns deles publicado artigos sobre sismologia n’O Instituto. Um exemplo foi o famoso sismólogo espanhol Manuel Maria Sánchez Navarro-Neumann (1867-1941), um padre jesuíta. Em 1915, Navarro-Neumann publicou o seu primeiro artigo n’O Instituto, onde analisou algumas fórmulas aplicáveis a macrossismos, recorrendo a elas em exemplos reais como o sismo de Benavente, com base em alguns resultados do estudo de Egas de Castro. Dois anos depois, a pedido de Francisco Miranda da Costa Lobo (1864-1945), presidente do IC, publicou um outro trabalho na revista do IC, correspondente à conferência que apresentou no 6.º Congresso de Associação Espanhola para o Progresso das Ciências de 1917, realizado em Sevilha. O estudo de Navarro-Neumann incidiu sobre os efeitos dos terramotos nos edifícios, de acordo com as observações recolhidas em diversos sismos, e no funcionamento dos sismógrafos, em especial os existentes no Observatório da Cartuja, e respectiva interpretação de sismogramas.
O ano de 1925, no decorrer do qual o OMM da UC alterou a sua designação para Instituto Geofísico da Universidade de Coimbra (IGUC), foi muito intenso no que respeita à actividade científica em Coimbra. Refira-se a inauguração da secção de astrofísica do Observatório Astronómico e a realização do Congresso Misto das Associações Portuguesa e Espanhola para o Progresso das Ciências. Ferraz de Carvalho, que era também vice-presidente do IC, publicou neste ano n’O Instituto um extenso trabalho sobre sismologia, Estudo actual dos tremores de terra, talvez o primeiro tratado científico sobre este tema publicado em Portugal. Ao mesmo tempo, apresentava uma comunicação no congresso, realizado em Coimbra, das Associações Portuguesa e Espanhola para o Avanço das Ciências, intitulada Colaboração íntima dos serviços sismológicos de Portugal e Espanha.
Apesar da fundação em Coimbra, em 1933, da Sociedade de Meteorologia e Geofísica de Portugal, que tinha Anselmo de Carvalho como presidente honorário, nenhuma das comunicações efectuadas no âmbito desta associação (durante os curtos anos da sua actividade) incidiu especificamente na sismologia. Em 1946, com a criação do Serviço Meteorológico Nacional (SMN), o IGUC foi integrado neste organismo, perdendo a sua autonomia, o que justificou o pedido de exoneração do director Anselmo de Carvalho. Este último havia sucedido, em 1945, como presidente do IC a Costa Lobo. O SMN pouco ou nada trouxe de novo no que respeita à organização da sismologia em território nacional, sendo apenas retomados os estudos macrossísmicos, abandonados de 1930 até 1940.