Águas minerais são águas que ocorrem naturalmente em certos locais e que possuem constituintes minerais, conferindo-lhes sabor próprio e/ou valor terapêutico. As fontes de águas minerais passaram a ser alvo de grande interesse a partir do momento em que lhes foram associadas acções terapêuticas. A fama assim granjeada era, muitas vezes, baseada em crenças e superstições, bem arreigadas nas populações, sendo as qualidades curativas realçadas por histórias ou lendas que ajudavam para estimular a procura.
A partir do século XVIII, novos métodos de análise química contribuíram para alterar o paradigma nesta área. A proliferação de embustes e a ineficácia na acção médica de muitas águas que, para além do efeito placebo, poucos ou nenhuns resultados produziam, geraram enorme desconfiança. Tornou-se então necessário explicar as características benéficas das águas minerais a partir dos seus constituintes, fornecendo uma prova científica das propriedades curativas na qual se pudesse basear a prosperidade de uma estância termal.
As características físicas e químicas das águas minerais eram extremamente variadas, tal como os seus efeitos médicos. Apesar da falta de acordo relativamente aos seus componentes, essas águas eram, no início do século XIX, genericamente classificadas em sulfurosas, salinas, férreas e carbonatadas. De maior complexidade era o problema de estabelecer elos causais entre determinado constituinte e o efeito terapêutico da água. Muitos consideravam que a análise das águas minerais era “a operação mais difícil em química”.
António Augusto da Costa Simões (1819-1903), professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e sócio efectivo do Instituto de Coimbra (IC), aliou às suas funções de professor e médico outras na área da química. Um assunto de interesse para Costa Simões foi a análise das águas dos Banhos do Luso, dos quais foi o primeiro dinamizador, movido talvez pelo facto de ser natural da Mealhada, perto do Luso. Num conjunto de artigos dedicados a este tema descreveu a topografia e a geologia da serra do Buçaco e incluiu uma análise qualitativa das águas do Luso.
Com base no conteúdo mineral da água do Luso, Costa Simões descreveu os seus efeitos fisiológicos, salientando as suas qualidades de água termal. Estudou os seus efeitos higiénicos e a relação entre os princípios mineralizadores e os seus efeitos curativos de “moléstias” cutâneas, oftalmológicas e internas. Os relatórios da Sociedade de Banhos de Luso, que passaram a ser publicados n’O Instituto, incluíam uma estatística médica em que eram referenciadas as doenças das pessoas que frequentavam os Banhos e os números de curas, melhoras ou pessoas “no mesmo estado”. Em 1860 repetiram-se as análises das águas do Luso, desta vez em Paris, por Matias de Carvalho e Vasconcelos (1832-1910), um docente da Faculdade de Filosofia da UC que aí se encontrava em missão científica.
Em 1860 foi criado, na Faculdade de Medicina da UC, um Gabinete Químico destinado a análises toxicológicas, que possuía uma vasta colecção de reagentes e instrumentos. Francisco António Alves (1832-1873), lente de Anatomia Patológica e Toxicologia da UC, fundador do gabinete de Anatomia Patológica e também sócio do IC, aproveitando os recursos deste gabinete, iniciou estudos analíticos das águas de Coimbra a fim de detectar a sua potabilidade. As águas do Luso foram também analisadas por Alves alguns anos mais tarde. Os resultados foram, uma vez mais, publicados n’O Instituto em 1872, num trabalho mais extenso do que os anteriores. Para além das análises gravimétricas das amostras originais, repetidas numa segunda amostra, obtida após dissolução do resíduo sólido em água destilada, o autor aplicou os novos métodos espectroscópicos por meio da análise espectral da chama produzida pelo resíduo sólido num bico de Bunsen, tendo detectado sódio e potássio.
Em 1871, a Imprensa da Universidade de Coimbra publicou uma monografia que analisava as águas minerais de Moledo sob o ponto de vista da sua composição química, acção fisiológica e efeitos terapêuticos. Da autoria de Miguel Leite Ferreira Leão (1815-80), então director do Laboratório Chimico, e de dois professores da Faculdade de Medicina, o já referido Francisco Alves e Lourenço d’Almeida Azevedo (1833-91), esta obra veio responder aos apelos de combinação dos esforços empreendidos por médicos e químicos no estudo das águas minerais. Foi considerada “a primeira obra methodica, regular e perfeita, que deste género se há publicado em Portugal nos tempos modernos”, opondo-se “como paradigma de mérito distincto” aos relatórios de Lourenço sobre as águas de Vidago. Na bibliografia publicada n’O Instituto, aludiu-se também à obra de Costa Simões sobre os Banhos do Luso como sendo similar na abrangência ao estudo realizado. Foi reiterada a necessidade de reproduzir este exemplo, “sendo Portugal o paiz da Europa, que, havendo respeito á sua pequena extensão, possue maior numero de aguas mineraes, principalmente das que se denominam thermaes”.
Joaquim dos Santos e Silva (1842-1906) foi aluno de Bernhard Tollens (1841-1918), no curto período em que este famoso químico alemão esteve em Coimbra. Por seu intermédio viajou até à Alemanha, onde estudou entre 1871 e 1873 química prática com Friedrich Wöhler (1800-82) e Friedrich August Kekulé (1829-96), nas Universidades de Goettingen e Bonn, respectivamente. Regressou a Coimbra para dirigir os trabalhos do Laboratório Chimico e, a partir de 1875, iniciou um conjunto de estudo de águas minerais, alguns dos quais publicados n’O Instituto. Estes últimos incidiram: numa fonte de águas férreas, na estrada da Beira perto de Coimbra (1875); nas águas termais das Caldas da Rainha, as mais conhecidas em Portugal (1876); nas águas alcalino-gasosas das Fontes de Bem-Saúde, em Vila Flor (1879); numa nova fonte da água do Vidago, recentemente descoberta, encomendada pelo proprietário Augusto Campilho (1883). Este último estudo das águas Campilho mostrou não só a necessidade de legitimação científica por parte dos proprietários e empresas distribuidoras, mas também a perversidade que resultava do facto de ser o proprietário a encomendar e financiar o trabalho.
Novos estudos químicos de águas surgiram nas páginas d’O Instituto a partir de 1896, desta vez da autoria de António Joaquim Ferreira da Silva (1853-1923), professor de Química no Porto, fundador e director do Laboratório Químico Municipal dessa cidade. O primeiro recaiu nas águas minerais e potáveis de Moledo (1896), regressando o autor em 1903 com o estudo das águas minerais de Caldas de Canaveses.
No século XX, a hidrologia continuou em desenvolvimento, embora o papel d’O Instituto no tratamento dessa área passasse a ser menor. Outros estudos foram sendo publicados noutros lados. Luiz de Meneses Acciaiuoli (1888-1958), engenheiro chefe da Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos e inspector de águas, na sua História da Química na Hidrologia Portuguesa, concluiu que dos estudos referentes “às cento e algumas nascentes de águas minerais de Portugal” realizados até 1949, cerca de 27% reportaram apenas indicações genéricas, 17% abordaram a matéria médica hidrológica e 16% incidiram em estudos químicos, físico-químicos e de radioactividade, o que demonstra a importância dada a estas análises. (excerto de um artigo mais extenso intitulado “O IC e a Análise Química de Águas Minerais em Portugal” submetido na revista Química Nova, uma publicação da Sociedade Brasileira de Química)
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