quinta-feira, 24 de março de 2011

O IC e as primeiras Observações Meteorológicas em Coimbra

A partir de Janeiro de 1854 iniciou-se a publicação n’O Instituto das observações meteorológicas levadas a cabo no gabinete de física experimental da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra. Estas observações já eram executadas desde o início do século XIX. Nomeadamente, no ano de 1812, Constantino Botelho de Lacerda Lobo (17541820), professor de Física da Faculdade de Filosofia da UC, começou a publicar na revista Jornal de Coimbra as suas observações meteorológicas realizadas ao longo do período de Janeiro de 1812 até Março de 1817. Todavia, estas observações são de reduzido valor científico, uma vez que não foram efectuadas a horas fixas e eram recolhidas no interior do gabinete de Física e não ao ar livre.
Os mapas mensais publicados n’O Instituto continham a temperatura atmosférica, a pressão atmosférica (altura barométrica a 0 ºC, tensão de vapor atmosférico e pressão do ar seco), o estudo higrométrico da atmosfera (grau de humidade e massa de vapor de água por metro cúbico de ar) e o rumo dos ventos, dados medidos ao meio-dia. Os mapas de alguns meses incluíam também o estado do céu e do tempo. O último mapa publicado, relativo ao mês de Janeiro de 1856, da autoria de Matias de Carvalho e Vasconcelos (18321910), na altura lente substituto da cadeira de Física, vem acompanhado de um pequeno texto onde se refere a aquisição por parte do gabinete de física de “uma boa colecção de instrumentos para os trabalhos das observações meteorológicas, e entre estes um excelente anemómetro com os mais recentes aperfeiçoamentos, e o primeiro que neste género aparece entre nós”. No mesmo artigo, exortava-se a necessidade de estabelecer um observatório meteorológico, tendo já assentado o conselho da Faculdade que, não havendo meios para a construção de um edifício próprio, se fizesse uso das instalações do observatório astronómico. As razões apontadas foram que a Faculdade de Filosofia “não podia ficar atrás dos outros estabelecimentos de ciências naturais, nem ser menos solícita em promover aqueles estudos, que são hoje objecto dos assíduos trabalhos dos mais distintos naturalistas, e que em todas as universidades se cultivam com a maior diligência, e aos quais a meteorologia deve os rápidos e assinalados progressos, que ultimamente tem feito noutros países, e mesmo entre nós”.
Verifica-se que entre os professores do gabinete de física era sentida a preocupação de a instituição coimbrã poder ser ultrapassada por outras instituições de ensino superior, em particular pela Escola Politécnica de Lisboa. Logo em 1854, simultaneamente ao início da publicação das observações meteorológicas, António Sanches Goulão (180557), regente da cadeira de Física e então director do gabinete de física, publicou um artigo onde criticou alguns dados dos mapas meteorológicos publicados por José António Dias Pegado. O desacordo situava-se ao nível dos valores de tensão atmosférica, grau de humidade do ar e quantidade de vapor por metro cúbico. Claramente, esta situação sugere a tentativa de afirmação de Coimbra perante a instituição lisboeta.
Na revista d’O Instituto surgem, então, vários artigos dedicados à meteorologia, alguns dos quais de Sanches Goulão. Segundo Goulão, a meteorologia dependia da distribuição de calor à superfície terrestre, pelo que, devido ao grande número de factos e à escassez de leis que os relacionavam, esta parte da física estava ainda longe do grau de perfeição de outras. Goulão fez a descrição do funcionamento dos termómetros líquidos e dos cuidados no seu manuseamento, usando como exemplo o modelo existente no observatório de Paris.
A necessidade de reconhecimento da actividade realizada na Europa, ao nível da meteorologia mas também em outros ramos das ciências físico-naturais, incitou o conselho da Faculdade de Filosofia a enviar alguns dos seus vogais em comissões científicas. Dando cumprimento a este deliberação, em 1857, Matias de Carvalho e Vasconcelos foi encarregado de uma comissão a França e outros países europeus, tendo a missão de contratar um engenheiro, a ser mandado a Coimbra, “para dirigir a construção da estufa e mais obras projectadas no jardim botânico, edificação do observatório meteorológico, e mais obras dos diversos estabelecimentos da Faculdade”. Em 30 de Março de 1858, Matias de Carvalho envia um primeiro relatório, publicado n’O Instituto, onde relatou a sua visita aos observatórios de Greenwich e ao Observatório Real de Bruxelas. Aproveitando a sua presença em Bruxelas, Alphonse Quetelet convidou Matias de Carvalho a participar nos trabalhos de observação do eclipse solar de 15 de Março. As observações magnéticas, durante o eclipse, eram acompanhadas de observações meteorológicas interiores e exteriores de 10 em 10 minutos.
Em 1 de Março de 1860, foi aprovada no conselho da Faculdade de Filosofia uma consulta ao governo para a construção de um observatório meteorológico e magnético. A missiva iniciou-se pela assumpção da importância dos estudos meteorológicos e geofísicos, prosseguidos com rigor em muitas instituições internacionais. Ressalvou-se a insuficiência de resultados que possam ser colhidos com base num “único estabelecimento de meteorologia no litoral”, uma referência ao observatório lisboeta. Reafirmou-se a centralidade da UC, considerando-se que Coimbra era “incontestavelmente o ponto em que melhor assenta, e em que mais economicamente se pode realizar a fundação de um observatório meteorológico, que tal nome mereça na actualidade”. Foi feita referência aos trabalhos do gabinete de física, já publicados n’O Instituto, e às relações firmadas por Matias de Carvalho com observatórios europeus e investigadores internacionais, em particular com Quetelet.
Em 11 de Janeiro de 1861, o conselho da faculdade depositou em Jacinto António de Sousa (181880) o encargo de responsável pela reunião dos meios necessários à fundação do observatório meteorológico. Jacinto de Sousa era professor da cadeira de física e especialista em meteorologia e magnetismo terrestre. Uma das suas primeiras iniciativas foi formular a conveniência de realizar uma viagem ao observatório de Kew, em Inglaterra, de forma a inteirar-se dos instrumentos magnéticos encomendados em Londres. Os relatórios das viagens efectuadas por Jacinto de Sousa foram publicados n’O Instituto em 1861, numa secção à parte da revista designada de secção oficial. A primeira ocorreu de 6 de Junho a 30 de Julho de 1860, integrando a observação do eclipse solar de 18 de Julho em Espanha, no cabo Oropesa, e incluindo os estabelecimentos científicos de Madrid, Paris Bruxelas, Londres, Greenwich e Kew. Em 16 de Agosto do mesmo ano, Jacinto António de Sousa partiu novamente em viagem, esta com o destino único do Observatório de Kew, onde ficou cerca de dois meses. No estudo que levou a cabo neste observatório foi acompanhado pelo director do observatório, Balfour Stewart, e pelo seu assistente Charles Chambers (1834–96).
O primeiro problema que deveria ser resolvido era a localização do novo observatório. Tendo Jacinto Sousa concluído da inexistência de um edifício conveniente a este projecto, optou pela construção de um novo devidamente adequado. A primeira escolha para esta construção seria no local do antigo castelo, onde já se encontrava uma edificação iniciada no século anterior para albergar o observatório astronómico, mas dada a proximidade do local a conventos vizinhos e dados os custos de demolição das muralhas que aí existiam, acabou por levar a rejeição desta alternativa. A selecção recaiu num local conhecido por Cumeada cujas condições circundantes pareciam mais propícias.
Os trabalhos de edificação do novo observatório iniciaram-se em Abril de 1863 e, a partir de 1 de Fevereiro de 1864, começaram a fazer-se observações tri-horárias ao mesmo tempo que a actividade de construção prosseguia. (excerto de um artigo mais extenso intitulado “The Meteorological Observations in Coimbra and Weather Forecast in Europe”, que será publicado em 2011 na revista internacional Earth Sciences History)

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