quinta-feira, 24 de março de 2011

O IC e a Previsão do Tempo na Europa no início do século XX

No final de 1926, foi decidido no IC dar início a um conjunto de conferências sobre a cultura inglesa, ficando prevista uma dedicada à meteorologia em Portugal e a sua relação com a previsão do tempo na região noroeste da Europa. A organização recaiu em Anselmo Ferraz de Carvalho (1878-1955), director do Instituto Geofísico e vice-presidente do IC.

A 8 de Maio de 1927, chegou ao nosso país Jacob Bjerknes (1897–1975) que, segundo a imprensa nacional, era um “ilustre meteorologista norueguês, autor das modernas teorias utilizadas para a previsão do tempo, que veio a Portugal propositadamente para tomar conhecimento directo da meteorologia no nosso país” (Diário de Notícias). Vilhelm Bjerknes tinha fundado em 1917 a Escola de Meteorologia de Bergen, na Noruega, onde com um conjunto de jovens investigadores, entre os quais figurava o seu filho Jacob, se dedicavam à prossecução da investigação com o objectivo de obter modelos de previsão do tempo. Desta escola surgiu um novo modelo dos ciclones extratropicais, cuja origem se explicava através das descontinuidades entre massas de ar contíguas, a temperaturas diferentes, conhecida por teoria da frente polar.

A missão de Jacob Bjerknes em Portugal tinha outro objectivo que tinha ficado estabelecido numa reunião de meteorologistas, realizada em 1926 em Zurique, na Suiça. Nesta reunião, onde também tinha estado presente o oficial meteorologista António de Carvalho Brandão (1878–1937), director dos Serviços Meteorológicos da Marinha criados em 1922, foi anunciada a resolução do governo português de instalar e organizar uma estação de TSF nos Açores. Por conseguinte, foi estabelecida uma comissão incumbida de acompanhar este assunto até à sua resolução final, da qual faziam parte o general Émile Delcambre (1871–1951), director dos serviços meteorológicos franceses, e Bjerknes.

Carvalho Brandão assumia na altura as funções de “Chefe do Serviço Meteorológico Português”, apesar dos serviços de meteorologia de então ainda não se encontrarem, consistentemente, organizados, estando dispersos por várias entidades e observatórios. Numa entrevista a um jornalista do Diário de Notícias, realizada num jantar em casa de Carvalho Brandão em 13 de Maio de 1927, Jacob Bjerknes revelou que uma estação nos Açores viria a solucionar “um problema que preocupa os organismos científicos da Europa, encarregados do estudo e previsão do tempo” devido à lacuna de indicações no Atlântico Setentrional indispensáveis nos cálculos. Este projecto era “tão importante que, provavelmente, se essa estação estivesse em funcionamento não teria a França, nesta ocasião, de lamentar o desaparecimento de Nungesser e Coli”, uma alusão a dois aviadores franceses desaparecidos nesse mesmo mês quando voavam sobre o Atlântico.

Tendo em conta a presença em Portugal de Bjerknes, foi ele o conferencista convidado por Ferraz de Carvalho. Em 23 de Maio, após ter reunido com o governo português, Bjerknes partiu de Lisboa para Coimbra, acompanhado pelo embaixador da Noruega em Lisboa, Finn Koren, e por Carvalho Brandão. Após a sua palestra, no salão nobre do IC, seguiu para Madrid onde se foi encontrar com o director dos serviços meteorológicos espanhóis.

A comunicação de Bjerknes foi publicada n’O Instituto, tendo este sido eleito sócio correspondente da sociedade conimbricense na Assembleia-Geral de 2 de Junho de 1927. Com o título de Les bases scientifiques et techniques de la prévision du temps et le rôle du Portugal à ce rapport, Bjerknes iniciou por ressalvar a importância da previsão do tempo para países marítimos como a Noruega e Portugal, apesar das incertezas destas previsões quando comparadas com as predições astronómicas. Dada a inextricável relação das causas e efeitos em meteorologia com a mobilidade do ar, Bjerknes apresentou uma classificação das correntes de ar e a sua relação, mais simplista, com estados do tempo. As nuvens seriam causadas pelo arrefecimento do ar, processo mais eficaz quando ocorriam correntes ascendentes de ar húmido. O transporte do ar atmosférico processava-se com base em dois tipos de corrente: corrente polar, constituída por ar frio e seco, e corrente tropical, contendo ar mais quente e húmido. O encontro de duas massas de ar, a temperaturas diferentes, originava uma superfície de descontinuidade que iria determinar as condições meteorológicas. Com base na direcção de propagação, seria possível distinguir dois casos: uma frente fria, em que uma cunha de ar frio em deslocamento provoca a ascensão de uma massa de ar quente, e uma frente quente, em que uma massa fria que se encontra em retirada, é perseguida por uma corrente quente que é obrigada a subir.

Apesar da simplicidade aparente, o sucesso da previsão estava, intimamente, dependente do estado inicial, o que exigia conhecer a temperatura, pressão, humidade… de cada ponto da atmosfera, desde o Equador até aos pólos. Para tal, era imprescindível um sistema de estações emissoras de dados atmosféricos, por TSF, espalhadas por todo o globo. Na altura, em Portugal, estavam em funcionamento quatro destas estações: Porto, Coimbra, Lisboa e Faro, estando mais duas, da Berlenga e cabo S. Vicente, prestes a entrarem em funcionamento. Uma vez que as novas condições do tempo se deslocavam, geralmente, de Oeste para Este, as estações dos países ocidentais como a Islândia, Reino Unido e Portugal eram os principais “avant-gardes” da Europa contra as tempestades que se aproximavam da costa Oeste, mas mesmo assim insuficientes.

A resolução do problema estaria na introdução de emissores T.S.F. a bordo dos navios transatlânticos que lhes permitissem transmitir, regularmente, dados meteorológicos ao longo da sua travessia do oceano. Todas estas transmissões deveriam ser recolhidas por estações, estrategicamente, localizadas de forma a cobrir vastas áreas geográficas, que as retransmitiam para os serviços meteorológicos europeus. Evidentemente que as ilhas dos arquipélagos da Madeira e Açores seriam localizações essenciais, considerando mesmo Bjerknes que a estação mais importante seria sempre a dos Açores.

Mais tarde designada de estação meteorológica do Atlântico, a estação açoriana ficou operacional em 1929, uma situação anunciada no Congresso Meteorológico Internacional que teve lugar em Copenhaga nesse ano. O General Delcambre, enquanto se encontrava em Copenhaga, recebeu um telegrama de Paris relatando que a Estação Meteorológica dos Açores tinha enviado um “meteograma” com 81 grupos de 5 algarismos cada, relacionados com as observações realizadas “a bordo dos vapores que sulcavam o Atlântico.” Na Comissão de Serviços Sinópticos do congresso, Delcambre salientou o altíssimo serviço prestado à ciência por Portugal, que classificou como um dos factos mais importantes para o progresso da Meteorologia nos últimos cem anos, acrescentando que marcava o início de uma era nova, pois a estação dos Açores era o fecho da vasta organização internacional, base da navegação aero-transatlântica.

Foi evidente a pressão internacional para o avanço da meteorologia em Portugal, principalmente a partir do momento em que, dado a sua posição geográfica, as observações recolhidas no nosso país e seus arquipélagos se tornaram essenciais para o desenvolvimento do esforço europeu/mundial de previsão do tempo. O anticiclone localizado no Atlântico Norte tem hoje o nome dos Açores, pelo menos na Europa. (excerto de um artigo mais extenso intitulado “The Meteorological Observations in Coimbra and Weather Forecast in Europe”, publicado na edição de Abril de 2011 da revista internacional Earth Sciences History)

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